Um crime chocou Marechal Cândido Rondon no último final de semana. Um casal conhecido, bem relacionados, e até onde eu saiba, sem histórico de violência, foi tragicamente arrastado para as manchetes policiais: em meio a uma discussão, a esposa esfaqueou o marido.

Ele não resistiu, falecendo no hospital horas mais tarde. Ela foi presa em flagrante, mas recebeu liberdade provisória e agora responde em liberdade.

Até aqui, os fatos. Tristes, pesados, lamentáveis. Mas o que se viu depois nas redes sociais foi ainda mais perturbador: um espetáculo grotesco de linchamento virtual.

O tribunal da ignorância

Comentários de ódio brotaram como erva daninha. Sem conhecer as razões, sem estar no local, sem qualquer noção de direito ou de humanidade, uma turba enfurecida se ergueu contra a mulher. Palavras pesadas, ofensas gratuitas, sentenças instantâneas.

É esse o retrato do nosso tempo: redes sociais que se transformaram em tribunais de ignorância, onde qualquer um se fantasia de juiz, júri e carrasco. O crime já é, por si, uma tragédia irreparável. Mas a histeria digital consegue ser pior: não busca justiça, busca apenas sangue.

O esquecimento da própria humanidade

Conhecia o casal de longe. Pessoas de bem, de bom relacionamento, trabalhadoras. Não se trata de inocentar ou condenar, porque isso cabe à Justiça, não a nós.

Mas é preciso lembrar que qualquer ser humano, sob pressão, conflito ou dor, pode errar. Dramas conjugais atravessam lares diariamente. Uns terminam em silêncio, outros em separação, alguns, raros, mas reais, terminam em tragédias como essa.

E aí me pergunto: quem nunca errou, quem nunca perdeu o controle, quem nunca disse ou fez o que não devia que atire a primeira pedra. Mas não. Em vez de introspecção, preferimos mirar a lente no erro alheio para não encarar nosso próprio umbigo.

Fábrica de monstros virtuais

As redes sociais viraram uma fábrica de monstros. Transformam pessoas em caricaturas de vilões ou mártires, conforme a conveniência da plateia. Não importa o passado, não importa a história, não importam as nuances: importa o espetáculo do ódio, o prazer mórbido de destruir reputações.

A tragédia já ceifou uma vida. Agora, ceifa também a decência de quem, atrás de uma tela, se acha autorizado a vomitar rancor e ignorância.

Antes de escrever bobagens, seria mais digno calar. Ou refletir. Porque, no fim, a violência que tanto condenamos começa nesse veneno diário que despejamos nos comentários. E talvez, sem perceber, sejamos todos cúmplices da barbárie que criticamos.

3 Replies to “Quando a tragédia vira espetáculo de linchamento público

  1. Parabéns pela provocação, Jadir. Que seu texto possa alcançar o máximo de pessoas que “expuseram bílis” no ambiente virtual e que tenham a chance de se arrependerem e melhorarem na próxima.

    Sua abordagem foi mais uma vez de alta qualidade.
    Excelente o trabalho que você vem fazendo. Continue firme!

    Grande abraço!

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